quarta-feira, 31 de janeiro de 2018




Escrevo o mundo e conto a vida. Digo as palavras e não quero o medo. Às vezes calo-me e procuro a pele que me faz falta, o amor e o silêncio. Não quero afogar o mundo com as minhas lágrimas. Depois das pequenas mentiras e de alguns arranjos com a realidade, ligo o carro e vou para casa. Gostava de ter umas horas doces que pudessem apagar os problemas e as dificuldades. Nem sempre é fácil andar o dia todo de cabeça erguida. Sinto os músculos da nuca doridos e tensos.
Depois vem o vazio. Há um cansaço no meu olhar como se a esperança tivesse feito greve.
E então entro em casa, o corpo cansado  e a alma frágil. A casa é silêncio que espera por mim. E hoje mais do que nunca precisava dele. Posso chorar e gritar. É o meu único luxo. Mas também posso aguentar e ser forte. É a minha liberdade. 


terça-feira, 30 de janeiro de 2018



Na nossa existência fabricada há horas que nunca mentem. As horas suaves da infância. Cimento dos nossos alicerces, essas horas nunca param de correr nas nossas veias, de acalmar os nossos medos, as dúvidas e as incertezas. Tive um ambiente cheio de amor que me afastou durante muito tempo do barulho do mundo. Mas esse amor foi mais do que suficiente para fortalecer as raízes e ajudar-me a enfrentar as tempestades da vida. Com ele construí o terreno da minha vida adulta e é claro que tive quedas barulhentas e dolorosas mas sei onde me abrigar quando o céu cai em cima de mim.


domingo, 28 de janeiro de 2018



Sábado à noite. Gosto da força do vinho. E o espelho grande que reflecte no outro, como um buraco infinito onde caem os meus pensamentos. 
E quando toca a meia noite saio para a rua apanhar o ar fresco da noite. Avanço rapidamente. Tenho o vestido preto e o casaco rosa. E as sapatilhas claro. As luzes dançam no rio que ondula. 
E de repente anseio pelo vazio. Talvez perceber o que me impede de ser feliz.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018




Deixei de te dizer a saudade e a solidão.
Esgotei as palavras numa viagem sem retorno.
O amor que sinto por ti é um vício.
Uma necessidade que dorme no estômago e vive na pele fria do pescoço.


quinta-feira, 25 de janeiro de 2018





A nostalgia de um ontem no cinzento do céu, como algo violento. A árvore sem folha e a estrada vazia. Será a lembrança suave da mesma estrada vinte anos antes? A pele doce e a esperança já morta. Será a memória destas estradas sem fins entre aqui e ali? Ou é simplesmente a medida do tempo?Tínhamos o vento calmo e a alma selvagem. Apertava a tua mão quando o céu parecia a barriga de uma mulher grávida. Maternidade, neutralidade, rotina. Os vampiros da minha alma. Às vezes é preciso encontrar o caminho de volta para nós. Lembrar a intoxicação. O mundo não se preocupa connosco. Podemos tudo. Silenciosos, discretos. Somos livres. Os invisíveis de quem ninguém sente falta. As horas encolhem e os sonhos são maiores. Está na hora de nos fazermos à estrada em vez de massacrar o estômago. Talvez explorar outros mundos, sem preocupações ou regras.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018




Subo e desço. Atravesso o museu, Perco-me e observo. 
Não gosto de ouvir os outros visitantes. São muitos hoje. Demasiados. 
Do lado de fora há nuvens rosas no meio dos prédios. Oiço a música. Quantas vezes hoje? Não interessa. É ela que me leva.




terça-feira, 23 de janeiro de 2018

..Durante meses não lhe respondi. Porquê? Porque não podia escrever senão à Ellen, à Ellen: toda a outra correspondência me era intolerável. (Escrever a outros quando me podia dirigir a ela?!) E o resultado? Ei-lo: não me matei em conferências e artigos para magazines. Qual o resultado pecuniário, esse recuso a ponderá-lo... Mas, agora, que acabei a peça (em borrão), tentarei ganhar algum dinheiro suplementar - não que me apeteça, mas fui sempre tão inábil para o forjar que ninguém me tira a ideia de que estou à beira da falência...
Mas em verdade é só a Ellen, a ellen, a Ellen, a felicidade, a tranquilidade, a paz, o refúgio, a consolação de amar a querida Ellen - vá, acrescente: 'e de ser amado por ela' (uma mentira custa tão pouco...) - o meu único tesouro...
...Tornei a sentar-me para lhe escrever. As chamas esmorecem na lareira; este frio cortante é-me propício, suponho, já que por compleição sou um homem do Norte, mas espero que a Ellen esteja quentinha como uma ilha ao sol, amadornada no Mediterrâneo. Agora que terminei a peça só me resta beijar, enfim, a minha Ellen, e morrer.

Carta de amor de Bernard Shaw a Ellen Terry

Gostava de encontrar o amor durante a noite
Quando as folhas mortas cobrem a estrada 
E a chuva faz as ruas desertas e musicais

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018




My mother was beautiful, my father too. 
I do not see where my ugliness can come from… Maybe from my dog.


serge gainsbourg



Há pessoas que vivem com uma ferida, uma partilha impossível de vida. Como se seduzidas quisessem pertencer e quando pertencem perdem a essência do que são.
A mais velha casou para poder sair de casa. Teve cinco filhos. Esteve casada até à morte, quase sessenta anos. É bonito? Depende. Passou os últimos anos da vida a dizer ao marido que ele a tinha impedido de viver e de ser feliz. 
A mais frágil tentou ser a melhor das mães, uma esposa devota que enterrou os sonhos numa cama sem cores.
A mais bonita encontrou um equilíbrio no tempo. Depois de um primeiro casamento feito de grades, experimentou o caminho da solidão. Às vezes desconfortável e ao mesmo tempo cheio de aventuras fantásticas e de encontros efémeros. O tempo passou, o descanso chegou. Encontrou um homem parecido com ela, mais novo, mais louco. Casaram. Estão juntos até hoje.
Ela? Ela tentou seguir o caminho que mais lhe agradava. Tentou a suavidade ordinária e perdeu. Continua a procurar a paz sem nunca a saborear e o amor sem nunca o cultivar.




quarta-feira, 17 de janeiro de 2018



Em silêncio e sem descanso
Beijo os teus olhos
Na esperança que um dia 
Eles voltem a olhar para mim

Apesar da distância
Sei que a tua sombra
Continua a ser a sombra dos meus passos

E mesmo se as minhas palavras
Escondem a minha tristeza
A minha pele
Continua a ser tua

terça-feira, 16 de janeiro de 2018



O amor é fodido. Hei-de acreditar sempre nisso. Onde quer que haja amor, ele acabará, mais tarde ou mais cedo por ser fodido.
É melhor do que morrer. Há coisas como o álcool e os livros, que continuam boas. A morte é aborrecida.
Por que é que fodemos o amor? Porque não resistimos. É do mal que nos faz. Parece estar mesmo a pedir. de resto, ninguém suporta viver um amor que não esteja pelo menos parcialmente fodido. Tem de haver escombros. Tem de haver esperança. Tem de haver progresso para pior e desejo de regresso a um tempo mais feliz. Um amor só um bocado fodido pode ser a coisa mais bonita deste mundo.


Miguel Esteves Cardoso, O Amor é Fodido

Niilas Nordenswan Photography, Autoportrait


Talvez um dia. 
Escrever o amor. A madrugada dos sentimentos como as persianas que se abrem para um jardim coberto de rosas. Adormecido, entorpecido. À espera de um toque para acordar. Flor fechada na luz que nasce. Sentidos aprisionados numa caixa de cetim.

Quem sabe um dia. 
Escrever a esperança que voa. O coração apertado, o calor de uma voz. Saber as promessas loucas que aquecem o coração maduro e ficar longe das dores do passado, ardósia apagada. Perceber os olhos que brilham, as lágrimas e o medo também.

Talvez um dia possa escrever para ti, de quem nada sei.
Ainda.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018






Há muito tempo não tinha medo de nada. Vivia com a certeza presa ao corpo. O tempo atravessou-a e a vida também. Aprendeu a engolir e a comer as palavras.
A perfeição é cansativa. Prefere as peles frágeis, os olhos que choram e as faíscas inesperadas.
Aprende a amar as marcas do tempo, os fios de cabelo cinzentos e as rugas junto aos olhos. É humana. Não quer parar o tempo, apenas saborear os seus efeitos nas noites cheias da lua. 


sábado, 13 de janeiro de 2018

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018



Fica sentada na borda dos sonhos. Há anos que o faz. Nunca se mexeu. Tem a pele das bonecas de cera. Espera um sinal. Tem tanto para dizer. Ou talvez não tenha nada. Faz da escrita uma história pessoal. Vê-se nela como quem olha para um espelho.
No entanto nunca percebeu quem era. Fica de frente para o espelho e procura-se dentro. Guarda apenas os olhos verdes e deita fora o resto. Por baixo da carne bate um coração furioso. 
Escreve mas nem sempre se reconhece nas palavras. Está lá uma parte do que é mas há também outra coisa. Indefinida.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018



A mulher? É muito simples, dizem os amadores de fórmulas simples: é uma matriz, um ovário, é uma fêmea, e esta palavra basta para defini-la. Na boca do homem o epíteto "fêmea" soa como um insulto; no entanto, ele não se envergonha da sua animalidade, sente-se, ao contrário, orgulhoso se dizem dele: "É um macho!". O termo " fêmea" é pejorativo, não porque enraíza a mulher na Natureza, mas porque a confina no seu sexo.

O segundo sexo - Simone de Beauvoir


Wolfgang Suschitzky , Charing Cross Road, London 1935



Havia um pequeno café que servia cerveja independentemente da idade. Lembro-me da fachada, verde e do meu vestido preto. A intoxicação leve, os risos, a vida incrível. 17 anos acabados de fazer e estava apaixonada. Ao fim da noite quis beijar-me. Foi a única vez, penso eu, em que recusei um beijo.
A semana passada cruzei-me com aquele homem. 23 anos depois. Voltaram as lembranças, os sobressaltos, os caminhos feitos de paralelos imperfeitos, as linhas curvas que se cruzam como os corpos incompatíveis e os perfumes inesquecíveis.
O pensamento podia ter voado para os piores momentos, para os erros da juventude e para os arrependimentos. Mas não. Naquele instante houve apenas surpresa. Reconhecer uma voz depois de mil anos. Cruzar o olhar. Sorrir e continuar a andar pela rua fora, deixando a história para trás. Um suspiro e a vida recomeça, com um suave toque a nostalgia.


segunda-feira, 8 de janeiro de 2018



Se partires, não me abraces – a falésia que se encosta
uma vez ao ombro do mar quer ser barco para sempre
e sonha com viagens na pele salgada das ondas.

Quando me abraças, pulsa nas minhas veias a convulsão
das marés e uma canção desprende-se da espiral dos búzios;
mas o meu sorriso tem o tamanho do medo de te perder,
porque o ar que respiras junto de mim é como um vento
a corrigir a rota do navio. Se partires, não me abraces -

o teu perfume preso à minha roupa é um lento veneno
nos dias sem ninguém – longe de ti, o corpo não faz
senão enumerar as próprias feridas ( como a falésia conta
as embarcações perdidas nos gritos do mar) ; e o rosto
espia os espelhos à espera de que a dor desapareça.

Se me abraçares, não partas.

Maria do Rosário Pedreira

Procuras satisfazer o corpo e enganar o coração.
O regresso a casa faz-se sempre em silêncio. Não há partilha. 
Não há ninguém à tua espera. 
Sentes o ritmo irrequieto do ponteiro do relógio.
Não podias ser mais. Não estava escrito que fossem mais juntos.
Escolheste o caminho que te deram como possível. É melhor? É pior?
É o que há. 
Nunca poderás descansar a alma na pele quente nem sentir o cabelo afagado ao fim da noite.
Disfarças a tristeza e juras que nunca mais viverás tanto por outra pessoa. 
Morreste no dia em que não quiseram o teu amor.

domingo, 7 de janeiro de 2018


Usa as canetas e as palavras. Escolhe a suavidade escondida na ponta dos dedos. 
Floresce nas mãos e nos pensamentos num remoinho de papel e de cor.
Talvez amanhã compre um caderno maior para dar lugar à felicidade e à queda. 

sábado, 6 de janeiro de 2018


Ele fala e a voz masculina ecoa entre os muros da sala. Um eco que cresce no meu corpo, onde o calor começa a subir. Olho para a boca de homem, para a barba que nasce. Fruto proibido. Há homens assim. Os olhos azuis, verdes ou escuros, as sobrancelhas rasgadas com uma cicatriz, os dedos compridos, os ombros largos que fazem desaparecer, as vozes graves que ecoam quando as salas ficam vazias das presenças deles e cheias das palavras ditas. Fala-se pouco da sensualidade dos homens. Do olhar que queima quando o corpo está nu, quando os olhos descem. Não se fala das fraquezas, da voz que falha ou das mãos que apertam o pescoço. Das mãos que encostam um corpo a uma parede e que reclamam a pele. Fala-se pouco das mãos violentas que fazem tremer, que te puxam do caos para o sentires por inteiro.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018



Estava atrasado e talvez o tivesse feito de propósito. Estes seis meses passados no apartamento vazio da presença dela tinham sido pesados, cheios de uma tristeza diluída. E a culpa também.
Ao longo destes seis meses ela não quis receber as minhas visitas. Até depois dos médicos dizerem que era possível. Ela não estava pronta para que a visse no meio do verde pastel das paredes do hospital. 
Talvez quisesse apanhar as peças de um puzzle do qual me excluiu com medo de nos destruir. Não quero impedir-te de viver a tua vida, disse ela.
Cheguei junto ao café e vi-a através da janela transparente. O olhar perdido. 
Ela sempre foi bonita mas agora tinha uma beleza suava e doce. Percebe-se a sombra das feridas, as olheiras e a pele pálida. No entanto tem os lábios vermelhos e os olhos brilhantes das horas difíceis. Saberei amá-la como ela precisa? Saberei perdoar-lhe? Entro no café e oiço na sua voz o meu nome. E o corpo frágil nos meus braços. Deixo-me ficar naquele abraço que me traz à memória o caminho para a luz.




 




quinta-feira, 4 de janeiro de 2018



Olhar para o céu. E para os pássaros. Dançar. Ainda. Escrever. Quase sempre. Agarrar-me a ti, a mim e a eles. Chorar de certeza. Sorrir também. Envelhecer, mais do que certo. Talvez o vestido vermelho e uma história dentro. E as flores, claro, as emoções e as quedas. Viver o abismo e atirar-me de cabeça. Cantar e desafinar. Olhar o mar e inventar-me. É isso que vos (me) desejo. Inventem-se. Todos os dias.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018



I shut my eyes and all the world drops dead;
I lift my lids and all is born again.
(I think I made you up inside my head.)

The stars go waltzing out in blue and red,
And arbitrary blackness gallops in:
I shut my eyes and all the world drops dead.

I dreamed that you bewitched me into bed
And sung me moon-struck, kissed me quite insane.
(I think I made you up inside my head.)

God topples from the sky, hell’s fires fade:
Exit seraphim and Satan’s men:
I shut my eyes and all the world drops dead.

I fancied you’d return the way you said,
But I grow old and I forget your name.
(I think I made you up inside my head.)

I should have loved a thunderbird instead;
At least when spring comes they roar back again.
I shut my eyes and all the world drops dead.
(I think I made you up inside my head.)


Mad Girl’s Love Song
Sylvia Plath





Alguma vez sentiram se vivem verdadeiramente o presente? Tenho sempre a terrível sensação de vaguear nas bordas da minha vida.
De tanta antecipação, análise e ajustamento, a vida escorrega-me por entre os dedos, inconsistente e terrivelmente abstrata. O meu espírito vagabunda, esboço planos para amanhã e arredondo os ângulos de ontem ao mesmo tempo que hoje corre sem parar.
No entanto sei que tenho apenas uma certeza: o instante, o momento, o hoje. É o sopro, a evidência e uma âncora.
Quando o hoje é doloroso como uma farpa cravada na pele frágil, estar consciente do meu caráter efémero pode salvar-me a vida como já aconteceu tantas vezes. Mas quando o agora é feliz, belo e doce, investir nele alimenta-me o corpo e a alma. Sou mais forte e mais feliz. 
Se me perguntassem hoje se sou feliz diria que não. Mas tento agarrar-me ao hoje sem pensar muito no amanhã. Tento olhar para a vida de frente sem desviar o olhar  e dizer: estou aqui, no lugar certo. 

terça-feira, 2 de janeiro de 2018



Vou-te dar um presente
eu gosto de presentes
é uma caixa de jóias
é tão bonita
dentro está um anel com uma pedra preciosa
porque é tão grande?
toma
porque é tão grande?
toma
cuidado
dentro está um anel com uma pedra preciosa
mas talvez nunca o chegues a pôr no dedo
na caixa está uma serpente
para pegares no anel tens de abrir a caixa
se abrires a caixa a serpente pode picar-te o dedo
e tu podes morrer
se não abrires a caixa

Adília Lopes

Cristian Dorme


Há o cheiro a terra molhada. E o vazio também. A pele fria sente a vida mais que o nada. 
Escolhe-se o pouco que sabe a tudo na esperança que um dia esse pouco seja muito. Sonhar ainda não é proibido mas estou tão cansada.  Basta um pormenor para que as lembranças me levem para os braços que tanta falta me fazem. Tento não olhar à minha volta. Olhos no chão. Sempre.  Mantenho o corpo e a mente ocupados para que o coração não perceba que está (e sempre esteve) sozinho. 

segunda-feira, 1 de janeiro de 2018


Duas palavras escritas na plataforma de uma estação de comboio. Os barulhos e as sensações são intensidade.
Duas palavras escritas na plataforma de uma estação de comboios e o olhar cheio procura o chão. 
Duas palavras escritas na pele e no silêncio do vento. 
Amanhã os pássaros vão cantar. Como sempre. 
Amanha vai chegar devagar, por baixo das pálpebras fechadas e no coração.