domingo, 31 de dezembro de 2017



Como um vazio, um espaço imenso.
Procurar a palavra para escrever, uma emoção. 
Uma coisa pequena, minúscula.
Inevitavelmente pensar no ano que termina.
Inevitavelmente escrever a tristeza. 
Talvez dizer basta. Pelo menos hoje. 
Prometer ser mais leve e afastar o inevitável. 
Usar um vestido e correr de forma ligeira até ao ano que vem.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017



Na lista dos teus fins venho no fim
de uma página nunca publicada,
e é justo que assim seja. 
Embora saiba
mexer palavras, e doer de frente,
e tenha esse talento conhecido
de acordar de manhã, dormir à noite,
e ser, o dia todo, como gente,
nunca curei, como previa, a lepra,
nem decifrei o delicado enigma
da letra morta que nos antecede.
Por muito te querer, talvez pudesses
dar- me um lugar qualquer mais adiante,
despir- te de pudor por um instante
e deixá-lo cobrir-me como um manto.

António Franco Alexandre

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Tem um calendário na porta do frigorífico. Um calendário com as páginas que voam e que fazem os meses desfilar um atrás do outro. Serve para lembrar o que ainda não chegou mas também o que finalmente já acabou. Diz finalmente porque no final de cada noite e com um gozo quase inquietante, agarra numa caneta e risca o dia que termina. A linha desenhada não é direita. 
De onde vem esse alívio de um novo dia em branco passar a um simples risco preto? Será alguma forma de fugir? Ou talvez encontrar.
É a sobrevivência. Um dia de vitória. Um dia a sobreviver às partidas e talvez a determinadas chegadas. 
Mais um dia riscado. Venha o próximo.


terça-feira, 26 de dezembro de 2017



Às vezes pergunto-me como posso descrever o que é vago.
Procuro nos livros mas dissolvo-me no tempo que passa.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,
Dormitando junto à lareira, toma este livro, 
Lê-o devagar, e sonha com o doce olhar 
Que outrora tiveram teus olhos, e com as suas sombras profundas; 
Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto, 
Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor, 
Mas apenas um homem amou tua alma peregrina, 
E amou as mágoas do teu rosto que mudava; 
Inclinada sobre o ferro incandescente, 
Murmura, com alguma tristeza, como o Amor te abandonou 
E em largos passos galgou as montanhas 
Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas. 

William Butler Yeats


Houve o tempo sem palavras escritas. 
Houve encontros falhados e a cabeça na lua. 
E as quedas nas escadas de tanto carregar. A pressa sempre para não chegar atrasada. 
Tantos sorrisos encolhidos porque sim e tantas palavras duras. 

Houve uma noite cheia de dança, deliciosa e incrível. E a realidade que se mistura com a imaginação. 
E também o poema de um desconhecido e todas os fios imperceptíveis e voláteis emaranhados com magia. 

Houve o passeio na cidade sombra, debaixo da chuva e o prazer da solidão. Uma música triste e a beleza das cadeiras vazias e das árvores nuas. 
E aquele dia em que me disseram que a mão esquerda nem sempre tem de saber o que faz a mão direita. 

Houve tantos momentos em que pensei que podia fazer mais e melhor. 

E finalmente ontem. Uma decisão, uma escolha e um caminho incerto. 

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Ocupas tanto do meu espaço. Os pedaços de ti que deixaste em mim ganham terreno a cada dia que passa. Dou por mim a guardar pequenos detalhes do meu dia a dia na esperança de os poder partilhar contigo. Mas depois a cor da noite mostra-me a verdade do abraço que não chega. Talvez um dia percebas o que perdeste. 


Sei o que fomos. Sei também o que nunca seremos. Li algures que os amores maduros podem ficar connosco para sempre. A probabilidade  de encontrar o amor da nossa vida quando somos mais velhos e muito maior, bem como ficarmos sozinhos para sempre. E então a verdade é como uma ferida aberta e sem cura. 
Dizem-me para sorrir e ser feliz.
Tenho os meus filhos, amigos e saúde e no entanto não consigo recuperar os pedaços de mim que deixei contigo. Sei hoje que nunca vou ser tão feliz como já fui. Esgotei a quota de felicidade a que tinha direito.  
Deviam por um aviso quando amamos outra pessoa. Deviam ter-me dito que ia ficar presa a ti para sempre. 

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017



O meu café é cada vez mais forte e muito menos doce. Escolhi uma saia de tecido fino, tão fino que dança nas minhas pernas. A seda esconde-se por baixo da lã. Agasalho-me. Roubo um raio de sol e deixo-me chorar à chuva. Deslizo as mãos nos cabelos, por baixo das camisas e nas páginas dos livros. Procuro vozes graves e palavras suaves. Deixei de ouvir os que dizem saber tudo.
Sonho com um refúgio abandonado. Sonho-me num quarto anónimo. Sonho-me por baixo das penas dos edredões. Quero-me paciente. Quero-me a escrever tudo. Ou nada.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017


 Mais amor


Nunca serei mais nova do que sou hoje. E mais bonita? Sempre soube fazer parte do grupo das pessoas ditas "normais", nem bonitas nem feias. Aquelas que se vêem na multidão com a ajuda de uns binóculos. 
Acreditei que um dia o tempo iria vingar-se e que os traços poderiam ficar mais finos, Acreditei que o tempo tinha o poder de fazer justiça a quem esperou tanto tampo na antecâmara da normalidade. Mas o relógio não parou e as minhas feições não mudaram. Também pensei durante muito tempo que a vida era mais suave com as meninas de pernas magras e com sorrisos magníficos.
Uma vez que tinha decretado não fazer parte desse grupo, dei um passo atrás à espera que a minha vez chegasse.  
Esperei. Esperei até esquecer que esperava. A vida passou, a independência chegou, o amor, a morte e as desilusões. Andava mais direita, o olhar em frente e o riso um pouco mais forte. Naquela altura não sabia mas já tocava a beleza da ponta dos dedos. A verdade é que pensava no problema ao contrário. Era no meio do delírio das noites curtas que negligenciava o reconhecimento que esperava do exterior quando já o tinha no interior.  Não encontrei a pólvora, mas sei hoje que a beleza é muito mais uma questão de carácter e de atitude do que genética. É uma mistura entre dar e receber, entre a determinação e a serenidade, entre a abertura para o outro e o cuidar de nós. Esta é a única beleza que me aquece o coração.
Festejei os meus 40 anos há relativamente pouco tempo. Não sei se é a idade mais bonita da vida mas é o que tenho agora. A minha cara começa a carregar os anos, as primeiras rugas contam toda a minha história e dizem ao mundo inteiro que não se vive para sempre. A beleza é uma história de instinto e de valores. É uma viagem que começa num corpo e acaba nele. 


domingo, 10 de dezembro de 2017


É um domingo cinzento às portas do inverno. Cheira a canela, a mimos e a chocolate quente. 
É um domingo surdo a olhar a chuva a cair. Um domingo lento. Uma viagem ida e volta entre a leveza da alma e o abismo imenso.

sábado, 9 de dezembro de 2017




Gotas finas deslizam lentamente nos vidros das janelas. Algumas palavras e Chopin para acalmar o corpo e o coração.As notas do piano juntam-se ao ritmo da chuva. E o todo como um quadro um pouco romântico, partilhado entre a alegria e a melancolia. Porque as duas são como almas gémeas separadas, tão próximas de coração apesar da aparente distância. E um pouco de paz, fugaz, mas perto o suficiente quando a última nota de Chopin morre no silêncio de um coração partido.





quinta-feira, 7 de dezembro de 2017



E ainda assim, Ele safa-se sempre. Sempre. Quando a harmonia desce sobre o mundo, é obra Sua. Mas, quando a desgraça se abate, a culpa é nossa. É porque nos falta fé. Falta-nos esperança. Carecemos da humildade necessária para compreender os seus desígnios. Deus escreve direito por linhas tortas. É a desculpa mais esfarrapada de todos os tempos. Destes todos e dos que hão-de vir depois destes. 


O Luto de Elias Gro, de João Tordo

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017


Queria não escrever a falta que me fazes. Prometi a mim própria que não ia encher páginas de ti enquanto o meu amor não acabasse. Mas as palavras brotam com a força das lágrimas que parecem não ter fim.Vivo os dias em piloto automático. Um atrás do outro. A ausência ocupa tanto lugar. Demasiado. Até quando estarei presa a ti? A um nós que já não é?

Tenho de voltar a aprender a cuidar de mim mas ainda não acabei de te amar


I. Chocolate, leite, baunilha e caramelo. A lareira e as músicas de natal.

II. Uma mistura de cores e de texturas em perfeita harmonia nas paredes brancas. Como a palete de um pintor impressionista e um quadro suave e fascinante.

III. As prendas e o papel claro que se misturam na cor da madeira. Harmonia de tons e cores quentes.

IV. O frio que queima as pernas. Um pensamento: o momento de refúgio do corpo no interior, junto ao calor seco das mantas espessas. O frio voltou e morde os tornozelos. Aceitá-lo e sorrir com o arrepio junto ao calor, o alívio do corpo e o peso da alma. A solidão.

V. Bolachas quentes e estaladiças, o cheiro da manteiga que faz cócegas no nariz. Encantamento diabólico, tentação, resistência, batalha final: a manteiga venceu.

VI. O chá que queima os dedos e que escorre na garganta como um metal precioso, um líquido em fusão que aquece o corpo. 

VII. Aninhar-se numa manta cinzenta nuvem. Adormecer e passar a noite redonda e cheia de sonhos. Acordar e sentir a realidade fria nas costelas, junto ao coração.

VIII.As luzes refletidas nas janelas dançam e hipnotizam, pequenos meteoritas descidos do espaço e que aparecem entre a árvore de natal e as velas.

IX. Uma decisão. Não saber se vamos conseguir seguir o rumo definido.

XX. Mergulhar por baixo dos cobertores à procura de um abraço que não volta.

terça-feira, 5 de dezembro de 2017


Fecho os olhos e vejo o teu sorriso. Consigo cheirar o perfume da tua pele e sentir o toque das tuas mãos fortes no meu corpo. A dor que atravessa a minha alma não tem fim. Morro pouco a pouco e tento agarrar-me a cada memória nossa como se fosse uma bóia de salvação. Devia ter aprendido a dar menos. A amar menos. Talvez a dor fosse menor. Há quase seis meses que espero que o tempo consiga apagar-te de dentro de mim. Mas sei hoje que esquecer-te é impossível.


Minha alma está hoje triste até ao corpo. Todo eu me doo, memória, olhos e braços. Há como que um reumatismo em tudo quanto sou.

Estou triste, mas não com uma tristeza definida, nem sequer com uma tristeza indefinida. Estou triste ali fora, na rua juncada de caixotes.


Fernando Pessoa [Bernardo Soares]
Livro do Desassossego

Os pés dentro dos collants pendem para a banheira vazia e branca. É de noite. A luz passa pela porta entreaberta. O suficiente para desenhar no chão a sombra de um corpo vazio. A dança na banheira vazia reflete-se no espelho. O brilho perde-se algures na pele, junto ao peito nu.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017




Perdi a minha boleia e cai nas escadas carregadas com as minhas centenas de sacos. 
Pensei em ti e chorei. 
Ouvi palavras doces e sorrisos na boca. 
Pensei em ti e chorei.
Olhei  para o escuridão no céu e vi a lua e o seu véu de luz.