segunda-feira, 31 de maio de 2021



E ainda me atrevo a amar o som da luz a uma hora morta,
a cor do tempo num muro abandonado.

No meu olhar já perdi tudo.
É tão longe pedir. Tão perto saber que não há.



alejandra pizarnick

sábado, 29 de maio de 2021

Escrevo para me libertar, para soltar o que sufoca. Encontro, a cada passo que dou, fragmentos do que já fui. 
Olho desesperadamente para o espelho na esperança de ver a luz no meio da sombra.
Nada. Nem calor nem frio. Nem sorrisos nem lágrimas 
Apatia. E queda. 

quarta-feira, 26 de maio de 2021

A terra calcinada, preta. Vegetal. 
Nunca verdadeiramente suja mas uma natureza desleixada. 
E uma veia rasgada. Correntes que estalam com o eco de ontem. 
No muro do exílio uma sombra. 
Ali. perto. 
Junto ao vazio e à mão que esquece.


segunda-feira, 24 de maio de 2021


Nascer Todas as Manhãs

Apesar da idade, não me acostumar à vida. 
Vivê-la até ao derradeiro suspiro de credo na boca. Sempre pela primeira vez, com a mesma apetência, o mesmo espanto, a mesma aflição. Não consentir que ela se banalize nos sentidos e no entendimento. Esquecer em cada poente o do dia anterior. Saborear os frutos do quotidiano sem ter o gosto deles na memória. Nascer todas as manhãs.

Miguel Torga, in "Diário (1982)

sexta-feira, 21 de maio de 2021






No crepúsculo dos dias cinzentos, o corpo e o espírito unem-se numa viagem errante e escura. No silêncio dos gritos e das lágrimas a Angústia acompanha a Dor e o Tédio luta com a Alegria.
Nas ruínas da alma, a Felicidade suplica para que os predadores desapareçam. Agarram-se à mais pequena esperança que continua a escrever nos dias incertos de uma vida sacrificada e torturada no altar da Crueldade até ao momento incerto em que a luz ao fundo do túnel permitirá encontrar a Paz.

terça-feira, 18 de maio de 2021



Abri um parêntesis. Dizem que serve para os elementos acessórios. 
Mas é lá que se encontram as estórias mais bonitas.

Há muito tempo, no coração de uma aldeia varrida por um vento com cheiro a serra, 
numa cozinha pequena, foi servido um lanche. 
Um dia como outro qualquer, uma banalidade da vida ordinária. 
Mas esse dia ficou marcado bem fundo no meu hipocampo, gravando cada gesto, 
cada palavra, cada sabor e perfume. 
Porque era feliz.
Há memórias com sabor a açúcar mascavado e o cheiro a panqueca.

quarta-feira, 5 de maio de 2021



Caí no silêncio há vários dias. 
Quero falar-te das horas incandescentes que antecedem a noite e não sei como fazê-lo. 
Às vezes penso que vou encontrar-te na rua mais improvável, 
que nos sentamos diante do rio e ficamos a trocar pedaços de coisas subitamente importantes: 
a tua solidão, por exemplo.

Mas depois, virando a esquina, todas as esquinas de todos os dias, 
esperam-me apenas as aves que ninguém sabe de onde partiram.

Vasco Gato

terça-feira, 4 de maio de 2021

A verdade é que nunca fica mais fácil. 
O sofrimento consentido é apenas uma desculpa para justificar tudo o que vier depois.