sexta-feira, 27 de abril de 2018


Lembras-te da pele suave e do amor?
Por baixo das costelas o coração quente e a audácia da idade. 
O apetite renovado como um reencontro.  
As unhas na pele dos ombros, a boca junto ao pescoço e os arrepios roubados na esquina do tempo. 
Vejo as rugas desenhadas, a suavidade e a fantasia. 
Adormecer num abraço protetor e provar a madrugada de um corpo tranquilo e 
a emoção vermelha da pele cansada na manhã valente. 
E o perfume, depois de uma noite entre desejo e lembrança.

segunda-feira, 23 de abril de 2018


Sabes que tudo acaba.
Às vezes tentas esquecer porque é mais confortável e menos assustador. 
Ou porque a lista dos apetites é grande e a das curiosidades maior ainda. 
Esqueces o fim quando a vida é doce e suave e sabes o equilíbrio entre a tempestade e a rotina.
Mas depois um amigo morre, um pai, uma conhecida. 
Ou o médico faz aquela cara estranha quando vê os teus exames. 
E então lembras-te que há um fim.
Há um início e um fim. É um facto impossível de negar. 
E é por isso que devias engolir o medo e olhar para o mundo, 
para aquela criança que aprende a andar, 
para os teus filhos que crescem a uma velocidade vertiginosa. 
Diz gosto de ti. Abraça. 
E quando chover vais olhar para o céu e ver a beleza do céu fértil. 
Talvez amanhã já esteja tudo esquecido. Ou não. 
Mas não é grave. A vida é assim.

terça-feira, 17 de abril de 2018


Algumas lágrimas antes do que vem a seguir
Como um poema que te ajuda a sair da sombra
A noite saberá da água ou de ti
Das mãos que estão na fonte
As do coração
E as palavras como uma estrada onde se caminha devagar
Sem muito barulho
O suficiente para que os muros devolvam os ecos de um tempo que se quer mais feliz

segunda-feira, 16 de abril de 2018



Tive a sorte de ter crescido no meio da serra e da natureza.
Um rio, árvores a perder de vista, sol no céu.
Uma aldeia cheia do ritmo humano, de caminhos molhados e os risos das crianças.
E é nesta paisagem explorada mil vezes de dia e de noite,
nos dias cinzentos e nos dias de sol que  encontrei pessoas de coração cheio.
Deixo-me muitas vezes engolir pelo trabalho numa urgência que não é minha
e refugio-me nas palavras em vez de estar mais próximo deles.
Falha minha. 
Para curar o meu cansaço mergulhei a alma na gente do meu passado
e da minha infância e voltei cheia de mim.

sábado, 14 de abril de 2018



Era o frio que sentia na pele sempre que saia daqueles lençóis brancos
Sonhava que um dia poderia voltar a sentir o calor de um corpo adormecido e de uma respiração tranquila
Haveria ainda tempo para dividir uma manta numa casa cheia de sonhos e de livros?

quinta-feira, 12 de abril de 2018



Tenho a saudade desenhada nos pulsos. Como a noite, os dias e os meses.
Depois das horas a tocar o suave e a pele, a seda e o veludo.Os murmúrios escolhidos, as palavras e a heresia.
Os corpos deram o ritmo e o jazz ligeiro. Escolhi o desejo e a vida que atravessa. 
Entro dentro do silêncio, um mergulho interior em que o mundo fica do lado de fora. O pior e o melhor. O coração esgotado e o corpo cansado mas cheio de vida. A curva dos rins, a linha e as horas oferecidas. E talvez o tempo e a beleza. O sal nos cabelos conta a satisfação e a celebração da primavera que tarda. De vez em quando é preciso provocar a vida.


segunda-feira, 9 de abril de 2018



A tristeza das nuvens cola-se ao meu corpo. 
O sol desapareceu e não pára de chover. Até o dia tem os pés molhados. 
As poças atravessam a pele e a humidade instala-se nos ossos.
É pior do que viver dentro do mar. 
As articulações queixam-se e pergunto-me quando é que o céu vai parar de chorar.
Os olhos habituam-se ao cinzento que nunca desaparece totalmente. 
Acordo e adormeço com o cheiro a terra molhada.
Os dias morrem numa estranha semelhança e a vida parece uma noite sem fim. 
Às vezes tenho medo que dure para sempre.

quinta-feira, 5 de abril de 2018


A noite tem janelas dentro, pequenas como os meus olhos,
grandes como os vitrais de uma igreja e às vezes invisíveis.
Janelas abertas para a intimidade da escuridão e para o erotismo do mundo.
Janelas que iluminam o corpo do vizinho do terceiro andar ou que inundam as entranhas da mulher do rés-do-chão.
A noite tem janelas pequenas cheias de vida dentro.


The truth is I am a toy that people enjoy
'Til all of the tricks don't work anymore
And then they are bored of me
I know that it's exciting
Running through the night, but
Every perfect summer's
Eating me alive until you're gone
Better on my own

Liability - Lorde

quarta-feira, 4 de abril de 2018


Do outro lado do silêncio há o amor e o ritmo de um coração cansado.
Procura-se uma vida inteira no meio dos segundos a que temos direito
mas o futuro esgota-se na ampulheta do tempo. 
Haverá espaço para ser feliz?

terça-feira, 3 de abril de 2018


Hoje estou velha como quero ficar.
Sem nenhuma estridência.
Dei os desejos todos por memória
e rasa xícara de chá.

Adélia Prado

segunda-feira, 2 de abril de 2018



Ali, junto
Num equilíbrio precário
As palavras pronunciadas
Têm a invisibilidade 
Do que se diz baixinho